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Quadrinhos, absurdo e sadismo

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“A arte não é moral nem imoral. É amoral.” – Oscar Wilde

Este artigo pode conter linguagem, imagens e links não recomendados para menores de 18 anos e impróprios de serem acessados em locais de trabalho.

Que tal permitir-se rir com uma tirinha que mostra um motorista de ônibus escolar que leva seu veículo, lotado de crianças, até um ferro-velho, esmaga-o – com os estudantes dentro – e utiliza o fluído resultante  como sopa em seu restaurante? As tirinhas do site Electric Retard oferecem conteúdo desta estirpe, e são desenhadas desde 2007. Esse exemplo é um dos mais brandos.

Além do motorista de ônibus, encontramos entre as páginas do site – todas toscamente desenhadas no MS Paint por um americano que só se identifica como Eric – personagens como um Hitler gigante e pelado, um prefeito racista, um sujeito chamado Shitman e toda a sorte de psicopatas.

O conteúdo é sempre ultrajante, muitas vezes racista, escatológico, recheado de referências parafílicas e abundante em fluídos corporais de qualquer tipo (sempre muito bem detalhados). Mas – é duro admitir – é hilário.

O nível de absurdo desses quadrinhos de mau gosto convertem sua tosquisse em arte e sua violência em humor. Aliás, se pararmos para pensar no zeitgeist do entretenimento deste início de século, o que nos vem à mente? Filmes como Jogos Mortais e O Albergue, desenhos animados como Family Guy e South Park, seriados como Dexter, jogos eletrônicos como GTA, etc. A diversão do século XXI permite-se rir da violência, por mais estúpida e gratuita que ela possa parecer. É a “cultura do sádico e absurdo”.

E apesar de parecer, não é preciso sentir-se mal por rir da desgraça alheia. Afinal, são obras de ficção. São válvulas de escape. Talvez o fato de Eric desenhar uma tirinha em que uma pequena menina é esquartejada para depois servir como arma contra uma idosa seja uma forma de ele mesmo não fazer isso.

Sobre seu método criativo, Eric conta em entrevista para a revista online Platform que ele não começa uma tirinha com o final na cabeça. Ele simplesmente começa desenhando uma cena ordinária da vida suburbana e então se pergunta: “Qual seria a coisa mais doentia possível a acontecer nessa situação?”. Isso garante o espírito de aleatoriedade e gratuidade de suas tiras.

kibe

Não, isso não é um kibe.

E foi essa brincadeira – e, talvez, essa tirinha específica – que garantiu sua posição de persona non grata na Alemanha, onde o site foi tirado do ar. Se Eric pisar em solo alemão, pode ficar preso durante cinco anos. Isso também rendeu um selinho com uma suástica e a inscrição “Banido da Alemanha” e, claro, visibilidade. Os alemães, logo eles, não entenderam o humor do absurdo de Eric e, sem querer, tornaram o site mais popular.

Talvez o que chamo de “cultura do sádico e absurdo” seja um reflexo da Internet e de seu espírito livre. Um jornal jamais publicaria as tirinhas de Eric. Assim como seria impossível publicar outros quadrinhos como Perry Bible Fellowship e Cynide and Happiness, também toscos e sádicos – não tanto quanto o Electric Retard. Mesmo assim, eles ganharam visibilidade absurda, viralizados e comentados por toda a parte. A cultura de massa, percebendo a impossibilidade de combater a amoralidade disseminada pelas novas mídias, apropria-se desta na forma de filmes, séries, jogos e outros. Essa liberdade percebida nas mídias tradicionais retroalimenta mais cultura online do absurdo.

Vale lembrar, para audiências que virão a argumentar que a cultura do absurdo e da desgraça alheia é um sinal dos tempos: seja na forma de desenhos em cavernas antes de cristo, orgias romanas, textos de Dante Alighieri no século XIV, afrescos de Hieronymus Bosch no século XVI, poemas do Marquês de Sade em meados do século XVIII, edifícios de Gaudí no final do século XIX, quadros de Salvador Dali no início do século XX ou filmes do Monty Python na década de 60, o grotesco, o sádico, o irônico e o profano sempre permearam nossa cultura. Aceitar isso e admirar ou rir com a mente doentia dos autores é a solução.


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